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Pratos e terrinas com 150 anos de histórias


por Kátia Catulo Diana Quintela
14 Maio 2006


Há quem diga que, quando a Fábrica de Loiças de Sacavém fechou, em 1987, a freguesia de Loures adormeceu. Acabou-se o corrupio de mulheres a levar o almoço aos trabalhadores, as tabernas que se enchiam ao final de tarde e as reuniões secretas dos operários na Cooperativa Sacavenense. "Agora, esta terra não tem nem sequer uma pensão ou um cartório", conta Zeferino da Graça, antigo funcionário da unidade fabril, que hoje comemora 150 anos.

Razões para assinalar esta data não faltam aos habitantes da freguesia. Todos eles estão directa ou indirectamente ligados à Fábrica de Loiças. Antes de a unidade ser ali instalada, em 1856, Sacavém não passava de uma povoação com pouco mais de 300 habitantes.

"Vieram famílias inteiras da região alentejana, sobretudo da serra Loriga e das Minas de São Domingos que, ainda hoje, constituem o núcleo principal da população da freguesia", explica Ana Paula Assunção, directora dos museus municipais de Loures. Segundo os seus cálculos, um em cada três habitantes de Sacavém foi operário da fábrica.

É por isso que não é difícil encontrar memórias daqueles tempos em cada canto da freguesia. José Prata ou Jorge Henriques conheceram a Fábrica de Loiças de Sacavém quando ainda eram meninos. Cresceram lá dentro e saíram dali homens feitos. Cada um deles sabe contar as histórias de todos os operários: as jornadas de 10 ou 12 horas de trabalho, as doenças e os laços de solidariedade.

Jorge, aliás, foi o responsável pela abolição do trabalho à empreitada. "O operário tinha direito a um ordenado-base, que mal dava para sustentar a família." Se quisessem ganhar, mais teriam então de produzir mais peças. "Alguns nem almoçavam para ganharem um dinheiro extra", recorda o antigo chefe de divisão da loiça de mesa.

E, como o esforço "era desumano", Jorge propôs à administração acabar com essa política. A partir daí, conta, decidiu-se subir os salários e diminuir a quantidade de peças que cada operário tinha de fazer.

Mas nem por isso a vida dos operários ficou mais fácil. Continuavam a trabalhar horas seguidas debaixo de um calor que atingia os 42 graus de temperatura. "Quem colocava as loiças sanitárias em cima das vagonetas é que sofria mais", esclarece Zeferino da Graça. Nem os sacos de serapilheira molhados às costas aliviavam os operários.

Muitos acabaram por adoecer, explica Zeferino. A silicose ou o saturnino foram os males que tiraram muitas vidas aos operários.

José Prata sabe o que isso é. Uma vez por semana tem de deslocar-se a Lisboa para receber oxigénio. O pó do azulejo infiltrou-se nos pulmões, impedindo-o de respirar. "Quando começou a ser obrigatório usar máscaras, já era tarde", conta. Qualquer material que pusesse à frente do nariz só servia para lhe cortar ainda mais a respiração.

Mas as lembranças dos antigos operários da Fábrica de Sacavém não são apenas feitas de momentos amargos. As dificuldades de cada um eram problemas de todos. "Sempre que alguém não conseguia pagar as despesas com a saúde ou até um funeral, organizávamos peditórios", diz Jorge Henriques.

A ligação dos operários à fábrica nunca desaparece, mesmo depois da sua morte. Muitas das campas dos trabalhadores, no Cemitério de Sacavém, estão cobertas com azulejaria: "Alguns têm o seu retrato pintado por ceramistas da fábrica", diz Ana Paula Assunção.

fonte: http://dn.sapo.pt/inicio/interior.aspx?content_id=640381

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